1.1 Definição e escopo

Á água é o meio pelo qual a atmosfera exerce maior infuência sobre o bem estar humano e a superfície terrestre tem influência significativa na atmosfera (SHUTTLEWORTH, 2012).

A precipitação constitui a fonte de água para superfície terrestre continental. A precipitação origina-se de nuvens formadas da condensação da umidade atmosférica e sua formação faz parte do escopo da Meteorologia. Assim, a precipitação é um dos mais importantes elementos meteorológicos.

A distribuição e o movimento da água precipitada fazem parte da Hidrologia e Geologia. A Meteorologia, a Hidrologia e Geologia são geociências que compartilham o estudo do ciclo hidrológico (ou ciclo da água) que trata da distribuição e a transferência de água entre os oceanos, a atmosfera e o continente. Os elementos do ciclo hidrológico geralmente observados para fins de gestão de recursos hídricos incluem variáveis meteorológicas (precipitação, evaporação) e hidrológicas (vazão dos rios, nível dos aquíferos). A vazão dos rios é um indicador da disponibilidade hídrica regional que pode ser captada e armazenada em reservatórios para irrigação, geração de energia elétrica e o abastecimento de água para uso doméstico e industrial.

Tracionalmente, a Hidrologia e a Meteorologia foram ciências desenvolvidas separadamente e por isso com interação limitada. A exceção foi nos estudos dos processos de geração da evaporação e precipitação.

Por consequência, a visão do balanço de água era fragmentada (Figura 1.1a,b). A componente terrestre do ciclo hidrológico (Figura 1.1a) foi comumente associada a Hidrologia com foco na geração dos escoamentos (superficial e subterrâneo) que influenciam diretamente o ciclo de outros materiais que formam a superfície terrestre continental. A componente atmosférica (Figura 1.1b) do ciclo hidrológico consiste de precipitação, evaporação e o transporte horizontal de umidade. As duas componentes compartilham a interface entre a superfície terrestre e a atmosfera (Figura 1.1c). A saída de água da superfície terrestre através da evapotranspiração é a entrada de água para componente atmosférica. A precipitação, uma saída de água da atmosfera, é uma entrada de água para superfície terrestre.

No passado, o interesse dos hidrólogos era no uso das variáveis meteorológicas como forçantes independentes para modelagem da resposta hidrológica de uma bacia hidrográfica. Mas a Hidrologia moderna reconhece que a Meteorologia da atmosfera inferior é também em parte determinada por como, quando e quanto da água da superfície terrestre retorna para atmosfera.

Visão fragmentada do (a) balanço hídrico terrestre (hidrologia), (b) atmosférico (meteorologia) e (c) o balanço hídrico combinado (hidrometeorologia) em um volume de controle arbitrário. A linha pontilhada verde indica a interface entre superfície terrestre e a atmosfera, região de especial interesse da hidrometeorologia terrestre. Adaptado de @Oki2011.

Figura 1.1: Visão fragmentada do (a) balanço hídrico terrestre (hidrologia), (b) atmosférico (meteorologia) e (c) o balanço hídrico combinado (hidrometeorologia) em um volume de controle arbitrário. A linha pontilhada verde indica a interface entre superfície terrestre e a atmosfera, região de especial interesse da hidrometeorologia terrestre. Adaptado de OKI (2011).

A Hidrologia moderna é definida como uma geociência que descreve e prevê a ocorrência e a circulação da água doce nos continentes. O foco principal da Hidrologia inclui (DINGMAN, 2015):

  • a distribuição e o movimento da água sobre e sob a superfície continental, incluindo suas trocas com a atmosfera

  • as interações físicas e químicas com os materiais da superfície terrestre

  • os processos biológicos e as atividades humanas que afetam seu movimento, distribuição e qualidade

A Hidrologia trata dos aspectos do ciclo hidrológico no ambiente natural,o que significa que não há controle humano envolvido (BRUTSAERT, 2005). Isto a distingue da disciplina de Hidráulica que consiste no estudo do movimento de um fluído em um ambiente bem definido e feito pelo homem. Por exemplo, problemas envolvendo o escoamento em canais fechados, a distribuição da água para irrigação ou o bombeamento da água de poços subterrâneos não são hidrológicos por natureza e sim do escopo da Hidráulica.

Os meteorologistas consideravam os fluxos entre a superfície e a atmosfera como condições de fronteira calculadas simplesmente por correções dos modelos atmosféricos por meio da assimilação de dados meteorológicos observados. Mas como ~50% da energia que abastece a atmosfera vem da superfície, as previsões meteorológicas para além de alguns dias, como as previsões climáticas em particular, requerem modelos que incluam sub-modelos capazes de representar realisticamente as trocas de energia e água entre a superfície e a atmosfera. Consequentemente, a grade curricular dos cursos de Meteorologia contemporâneos incluem os aspectos relevantes da Hidrologia.

Da necessidade de uma linguagem científica comum entre Meteorologistas e Hidrólogos emerge a Hidrometeorologia, uma nova disciplina que descreve os processos e fenômenos que envolvem as trocas de água e energia entre a superfície terrestre-atmosfera e o transporte de vapor d’água e energia pela atmosfera (Figura 1.1c).

Hidrometeorologia, segundo a definição da Enciclopédia Britânica, é o ramo da Meteorologia que trata dos problemas envolvendo o ciclo hidrológico, o balanço de água e as estatísticas das tempestades. As fronteiras da Hidrometeorologia não são bem definidas e os problemas dos hidrometeorologistas sobrepõe-se aos dos climatologistas, hidrólogos e previsores do tempo.

A quantificação dos recursos hídricos de uma região requer dados hidrológicos, como a vazão medida em pontos ao longo do rio. Dados desse tipo não são disponíveis para maioria dos rios devido ao elevado custo de instalação e manutenção de uma rede hidrológica. Por outro lado, dados meteorológicos (precipitação, temperatura e umidade do ar, radiação solar incidente e vento) de uma rede de estações, próxima da região, são registrados diariamente e por longos períodos de tempo em diversos países do mundo. Na falta de dados hidrológicos, dados meteorológicos fornecem a melhor opção para estimativa dos recursos hídricos regionais usando os conhecimentos da Hidrometeorologia. Então, a Hidrometeorologia aplica os conhecimentos da Meteorologia para solução de problemas hidrológicos.

A Hidroclimatologia difere da Hidrometeorologia da mesma forma que a Climatologia difere da Meteorologia. A Meteorologia estuda o tempo, a variabilidade dia-a-dia do estado da atmosfera determinado pelas variações na temperatura, precipitação, pressão, vento, nebulosidade, e umidade para uma região específica. Emprega-se a física e a matemática para explicar os movimentos atmosféricos de curto prazo e os fenômenos relacionados. A Hidroclimatologia busca entender os fluxos de energia e da água entre os compartimentos do sistema climático. Como o clima é a média de longo prazo do tempo, a Hidroclimatologia enfatiza a média dos fluxos de energia e água considerados numa escala espacial (regional a global) relativamente maior que aquela da Hidrometeorologia (local a regional). Esses fluxos ocorrem em ambas direções, entrando para atmosfera e saindo da atmosfera.

As últimas três décadas foram marcadas pelo grande interesse nas mudanças climáticas e seus impactos por ambos meteorologistas e hidrólogos.

Os primeiros estudos foram realizados pelos hidrólogos com foco no impacto das mudanças climáticas na variabilidade do balanço hídrico e da vazão. Nesse período os meteorologistas voltaram-se mais ao ao aperfeiçoamento das parametrizações da interação superfície-atmosfera. Estes avanços naturalmente fortaleceram a Hidrometeorologia como uma nova disciplina da Geociências, na qual os sistemas hidrológicos são vistos como parte do sistema climático através de feedbacks1 positivos e negativos.

Referências

BRUTSAERT, W. Hydrology: An Introduction. [s.l.] Cambridge University Press, 2005.

DINGMAN, S. L. Physical Hydrology. Long Grove, IL: Waveland Press, 2015.

OKI, T. Global Hydrology. In: WILDERER, P. (Ed.).. Treatise on Water Science. Oxford: Elsevier, 2011. p. 3–25.

SHUTTLEWORTH, W. J. Terrestrial Hydrometeorology. 1. ed. [s.l.] Wiley-Blackwell, 2012.


  1. Mecanismos de intensificação ou enfraquecimento de uma resposta do sistema climático a uma perturbação nas forçantes externas (irradiância solar, aerossóis vulcânicos e antropogênicos, emissões de CO2, uso da terra e etc). O vapor d’água, as nuvens, o albedo da superfície e os processos oceânicos ocasionam fortes feedbacks físicos em resposta ao aquecimento observado próximo a superfície terrestre.↩︎